Gil Heitor Cortesão, Tony Cragg, Ângela Ferreira, Fernanda Fragateiro, Patrícia Garrido, Gordon Matta-Claark e Bruce Nauman são alguns dos artistas que terão as suas obras expostas na cidade de Barcelos. Quem visitar a exposição terá a oportunidade de percorrer um imaginário em que a casa é o centro das preocupações dos artistas. E as casas deles passam a ser a nossa casa.
Trata-se de uma exposição dinâmica, em que os artistas e as obras presentes, desde quadros, mobiliários, fotografias, esculturas ou vídeos, interagem com os visitantes ao apresentarem diferentes pontos de vista e espaços imaginários, onde se podem observar diferentes conceitos, como a hospitalidade, a solidão, o conforto ou o abrigo que as “nossas” casas nos proporcionam e onde são vividos, todos os dias, diversos sentimentos.
A inauguração inclui ainda o concerto “On Glass”, do Srosh Ensemble (com Ana Luísa Veloso, Gustavo Costa e Henrique Fernandes), um coletivo de músicos e artistas relacionados com a música experimental e a arte sonora. Este ensemble concentra o seu trabalho na criação de esculturas, instrumentos não convencionais e intervenções em espaços específicos nas áreas da arte sonora. “On Glass” faz parte de um conjunto de performmances sonoras onde são exploradas as potencialidades tímbricas de diversos tipos de materiais. Depois da exploração do metal, da verâmica e do ar, o Srosh Ensemble propõe agora diferentes formas de interação com o vidro para a criação de texturas sonoras de densidade variável.
Os artistas e as suas obras:
O trabalho de Fernanda Fragateiro (Montijo, 1962) Casa com Pátio (1997–98) é exemplar do cruzamento entre design, arquitetura, escultura e paisagem que carateriza a obra desta artista. Fragateiro repensa modelos e práticas modernistas através de peças escultóricas em que alia à austeridade e ao rigor que associamos ao minimalismo e ao concetualismo um lado sensório que apela à participação do espectador.
Para alguns artistas, como Gil Heitor Cortesão (Lisboa, 1967), “a casa é, desde o início, um lugar em perigo (…). É a partir dela que [o artista] convoca o caos, o informe, a lama, as misturas e a desordem, trazendo para as imagens o seu início ou o seu fim, mas nunca o seu equilíbrio”. Este artista é conhecido pelas suas pinturas de interiores domésticos. O facto de pintar a óleo sobre vidro acrílico complexifica. Também o norte-americano Bruce Nauman (Fort Wayne, Indiana, EUA, 1941) ve a casa é como um local de perigo e mostra-nos, nesta exposição, Violent Incident [Incidente violento] (1986), peça que marca o regresso ao vídeo deste artista justamente celebrizado pelo uso desse meio em obras dos anos 1960 que documentavam performances por si protagonizadas.
A artista, Patrícia Garrido (Lisboa, 1963), está representada na exposição com a obra Período Azul (1999), que consiste em pedaços de mobílias pintados com tinta de esmalte. Trabalhando a partir dos espaços interiores que habita, a artista utiliza frequentemente, nomeadamente nas peças escultóricas, mobiliário que secciona em pequenas peças, numa ação que já foi descrita como destruição do doméstico. O mobiliário (a mesa), também, está presente na peça de Martha Rosler (Nova Iorque, 1943) integrada na exposição. Semiotics of the Kitchen [Semiótica da cozinha] (1975) é um vídeo que documenta uma performance já descrita como paródia feminista, uma das mais eficazes críticas ao papel tradicional da mulher, mostra a artista por trás de uma mesa de cozinha apresentando produtos e utensílios culinários, mas associando-os a usos bizarros, violentos, não-produtivos.
Sem sair da cozinha, apenas passando da mesa para a máquina de lavar louça: Christopher Williams (Los Angeles, 1956), um dos nomes mais representativos da fotografia pós-conceptual, produziu há mais de uma década um tríptico fotográfico que apresenta louça a sair reluzente de uma máquina de lavar louça. Esta obra, que formalmente se assemelha a tentadoras fotografias publicitárias prometendo a libertação do trabalho doméstico, é a prova de que nem sempre a iconografia revela a intenção do artista.
Novas formas de conceber o contexto urbano e arquitetónico é a proposta apresentada por Gordon Matta-Clark (Nova Iorque, 1945—Nova Iorque, 1978), na sua curta mas intensa vida artística interrompida por uma morte prematura. O artista acredita que a cidade e o urbanismo são simultanea-mente metáfora e realidade da condição humana, Matta-Clark tentou aproximar-se da arquitetura de uma forma criativa, interativa e vitalista. Contrariando a ideia de que os edifícios são entidades fixas, imutáveis, o artista dedicou-se a denunciar o seu caráter mutável, instável e polimorfo, nomeadamente através dos seus famosos cortes em casas e prédios prontos a ser demolidos. Nesta exposição apresenta-se uma série de filmes 16 mm e Super 8 transferidos para vídeo que documentam as suas pesquisas “arqueológicas” urbanas, as suas críticas ao modernismo arquitetónico e as suas surpreendentes intervenções em edifícios.
Ângela Ferreira (Maputo, 1958) interessou-se pela desordem urbanística que caracteriza a maioria das cidades nos nossos dias, mais concretamente pelos acrescentos das casas, feitos pelos proprietários ou pelos arrendatários, que marcam de forma decisiva a paisagem urbana de cidades como o Porto: as marquises. A artista viu nesta “arquitetura” vernacular pontos de contacto, de um ponto de vista estritamente formal, com projetos que marcaram os ideais emancipadores da modernidade, traduzindo-os em objetos que adquirem a forma de esculturas modernistas, executadas com um rigor perfecionista. A obra apresentada nesta exposição, da série “Marquises” (1993) estabelece uma surpreendente ligação entre o objetivo utópico da emancipação do homem e os esconsos acrescentos arquitetónicos que, de certa forma, assinalam o seu fracasso.
Tony Cragg (Liverpool, Reino Unido, 1949) é outro artista para quem o conhecimento do mundo se deve antes de mais basear no estudo da relação entre as pessoas e o mundo físico. A escultura de sua autoria que integra esta exposição, e que apresenta materiais e objetos não transformados—nomeadamente cadeiras e pedra – , denuncia um entendimento taxionómico do mundo e a convicção de que a matéria constitui a base fundamental de qualquer experiência.
Já Luís Palma (Porto, 1960) entende a fotografia como modo privilegiado do conhecimento do mundo, mais do que da sua mera descrição. Trabalhando em séries, este fotógrafo tem-se dedicado – como no projeto Paisagens Periféricas (1998) de que esta exposição apresenta duas fotografias – a encontrar territórios urbanística e Territorialmente desordenados (no caso a periferia da cidade do Porto) que nos falam tanto sobre a cidade como sobre o campo – mostrando, em última análise, que estas duas categorias perderam a estabilidade suficiente para nos fazerem compreender o mundo contemporâneo.